O novo CPC e a morosidade judicial: Mudar a lei é apenas o primeiro passo!

Luiz Ricardo Gomes Aranha

Presidente do IAMG

Sociedade somos todos nós, governantes e governados. Faz parte do necessário equilíbrio da vida social que haja diferenças e imperfeições. Os exageros em algum lugar se compensam com deficiências em outro. Deus, ou quem o faça a vez, não criou um homem perfeito, o que é bom para o equilíbrio cósmico, e é estético.

Perfeição é algo muito chato. Acontece que é preciso existir certa curva desejada nos elementos em desequilíbrio. Eis que, depois de certo limite, a insuficiência ou o exagero fazem romper o tecido social. Um pai precisa ser disciplinador, todavia, quando exagera , transforma-se em tirano fazedor de revoltados delinquentes.

De vez em quando a sociedade, tal qual rapaz sensível ou moçoila mimada, dá seus chiliques, exagerando o que é, ou criando o que não é. Estou lendo, vendo e escutando uma execração chiliquenta dos chamados trotes. Aliás, é moda ou voga, especialmente nos rapazes mais sensíveis e nas moçoilas mimadas, uma espécie da patologia de minorias desamparadas, enxergando preconceito em todos os cantos, pedindo, para fatos que antes se resolviam com simples conselhos de pai ou professor, as mais terríveis punições. Isso faz parte, e já o escrevi aqui mesmo, da progressiva imbecilização do direito brasileiro punitivo, em que a pena imposta faz mais estragos que o delito. Dou, sempre, o mesmo exemplo. O sujeito é proibido de tomar cerveja no campo de futebol ou é amordaçado para não chamar o árbitro, eventualmente afrodescendente, daquilo que ele é mesmo, e o faz sem preconceito, apenas propositando verberar o “pênalti” roubado.

Obedece porque tem juízo, mas, impedido da manifestação catártica, horas depois descarrega sua pulsão de protesto contra os costados da pobre mulher. E o pior, mesmo que seja, apenas, simples marolinha de marido e mulher, e conforme o ódio do vizinho, tudo e todos podem parar, na senda da imbecilidade, nas delegacias da Penha.

Tudo isso faz parte de uma sociedade desatinada e aturdida que, assustada, vai dando seus chiliques. Seja o chilique do marido, seja o do árbitro, seja o do soldado, o do vizinho e, o que é pior, seja o da lei. Eu tenho o maior orgulho de ter sido trotado pelos veteranos de 1961, na Faculdade de Direito da UFMG. Fizeram-me pagar jantares, chamaram-me de burro (com toda razão) e ainda me impuseram um diploma, com meu nome, em letras góticas, encimado por um texto latino e a figura de um rocinante. O orgulho é tão genuíno que fiz um quadro e o diploma está em minha parede, ao lado de meus outros títulos menos justos e mais acadêmicos.

Os jornais destilam odiosos manifestos, terríveis profecias, clamos de fuzilamento, por causa de certos fatos que teriam ocorrido na querida faculdade, dirigida por mulher jovem de extraordinária bondade e competência. Há, nos fatos, segundo ouso pensar, chiliques e preconceitos, não os execrados, mas os promanados dos execradores. As manchetes falam dos TROTES e, se é para exagerar, então que se prendam os jornalistas, os redatores, os donos do jornal. Estão eles confirmando: – calouro é burro mesmo!

Trote vem de trotar ou trotear, existe há séculos, desde as mais respeitáveis faculdades da Europa. Trotar é coisa de cavalo ou burro e pressupõe um modo especial de caminhar ensinado pelo tratador. Acontecendo que os iniciantes no direito são, de fato, burros no sentido do conhecimento jurídico, nada mais normal que o veterano se lhes proponha o ensino de trotar, aquele jeito especial de ser e caminhar, altaneiro, pelas planícies e planuras do conhecimento. Alguma coisa me diz que, nesta história, a interposição de sexo e racismo promana mais de quem acusa do que dos troteiros.

Eu só vi duas fotos e singelos textos de denúncia, confesso que posso estar enganado. Ando, como Vieira na janela, espantado e aturdido com esta sociedade chiliquenta. Não vi, no rosto dos calouros, evidência de sofrimento, repulsa ou repúdio. A impressão é que pretendiam a mesma graça, o mesmo prazer, ou, quem sabe, o mesmo excesso, porque não? Excesso que se resolve, na maioria dos casos, sem a publicidade desnecessária e, ela sim, ampliadora de preconceitos, talvez inexistentes. Resolve-se, com um brando puxão de orelhas, um sorridente e didático “esporro”. Era assim que a coisa se resolvia na minha faculdade. Os alunos, calouros e veteranos, faziam horrores debaixo das licenças deliciosas de um governante chamado Juscelino. Tudo era resolvido juscelinamente, às gargalhadas, no gabinete de Alberto Deodato, primor de dirigente, pai e democrata. Garanto que a professora Amanda tem as mesmas virtudes de Deodato. Com a vantagem de já ter, no próprio nome, a tolerância. Estou farto e enfartado de saber que, hoje, há trotes que acabam em jovens drogadas e mortas dentro de piscina. Fala-me, entretanto, o bestunto, que estes horríveis excessos, que nada têm a ver com os fatos de outro dia, podem, também eles, derivar de uma sociedade odiosa, punitiva, hipócrita. O resto é, ou pode ser, apenas, mais um chilique da mesma e nossa sociedade.

 

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